20 anos sem Nina Simone
Cantora e compositora, Nina foi uma das mais aclamadas vozes do jazz ainda no final da década de 1950. Sofreu muito no relacionamento abusivo com o marido/produtor. Virou símbolo da luta antirracista.
Visceral, completa, angustiada, triste, dedicada, única, potente e sem medo são algumas das qualificações que o público, os críticos, os estudiosos e os biógrafos deram à vida, à carreira e à voz da cantora e compositora Nina Simone, que morreu em abril de 2003, no interior da França. Seu nome se confunde com os levantes negros pelos direitos civis nos EUA, nos anos 1960, ao lado de revolucionários, ativistas e outros astros do mundo pop que não aceitavam mais a supremacia branca e a repressão usada para manter as minorias na “segunda classe”.
No premiado documentário What Happened, miss Simone? (Netflix, 2015), a vida dela foi mostrada de modo comovente, com episódios dramáticos vividos na construção de uma carreira marcada pelo racismo desde cedo. Aos 12 anos, quando fez o primeiro recital, tentaram impor que seus pais sentassem no fundo do auditório - o que a fez se revoltar até que eles ocuparam seu devido lugar à frente. Isso a marcou e foi importante quando estouraram os protestos pelos direitos civis, liderados por figuras como Martin Luther King Jr. e outras de grande prestígio internacional.
“Quero entrar nesse covil das pessoas elegantes com suas ideias velhas, presunçosas, e enlouquecê-las”, disse numa das passagens do documentário, fazendo referência aos enfrentamentos diários, à sua participação nos movimentos de rua e no uso do palco como meio de luta e resistência. Isso lhe custou perseguição pelo governo dos EUA, como ocorreu a figuras contemporâneas dela como Luther King e Malcom-X, para citar dois ícones das lutas por direitos civis norte-americanos.
A revolucionária, ativista, leitora voraz da literatura sobre questões raciais e cantora aclamada nos palcos do mundo todo viveu um inferno particular com o marido e produtor, que a espancava e a reduzia a uma “voz valiosa”. Seu sofrimento era transformado em revolta, em luta e inspirava canções que marcaram o jazz de forma como nunca antes se conheceu.
A composição Mississipi Goddamn, literalmente chamando os racistas daquele Estado de FDPs, virou hino do movimento negro, que culminou com a participação dela nas famosas marchas de Selma a Montgomery, em 1965. E gerou reações dos aparelhos de espionagem federais, devassas fiscais, perseguições à sua carreira e ataques à sua trajetória.
Entre idas e vindas, quedas e retomadas, exílio e lutas internas pela sobrevivência, Nina Simone - batizada como Eunice Kathleen Waymon - teve sua carreira reerguida em 1987, com a canção My Baby Just Cares For Me, regravação dela do original de 1957 desse clássico do jazz, que virou tema de campanha de perfume importado.
Nina para crianças - A trajetória da cantora e ativista é símbolo de resistência, é estudada pelo movimento negro e difundida em escolas e instituições que lutam pela igualdade racial. Em 2022, o selo Pequena Zahar lançou o livro Nina, de autoria de Traci N. Todd, que leva o tema para o universo infantil, como forma de inspiração e perpetuação dos feitos da artista.
Em fevereiro deste ano o mundo comemorou 90 do nascimento de Nina Simone e, em abril próximo, estaremos no vigésimo ano da morte dela. Um marco para a música e para a história do jazz. E da luta antirracista.
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