A cidadania infanto-juvenil ameaçada pelo imediatismo informacional
Temos a sensação de que perdemos a guerra contra o excesso e o imediatismo da sociedade em redes quando se trata dos processos de formação cidadã para crianças e jovens. Existem saídas para isso?
Em conversas esparsas com gente do meu convívio pessoal e profissional, volta e meia um assunto surge, some e depois volta, talvez por sua aparente banalidade e ares de normalidade: a geração que vemos crescer diante dos nossos olhos terá condições de crescer e compreender a dimensão da cidadania? Ou seja, compreender, apreender e praticar um conceito tão simples e profundo que, de certo modo, resumiria a capacidade humana de viver numa sociedade em busca permanente pela harmonia, pelo respeito às manifestações da diversidade nos aspectos material, ideológico, político, religioso, sexual, socioeconômico e cultural. Acho que temos a sensação de impotência batendo nos joelhos quando pensamos no futuro de pessoas próximas, cuja existência adiante dependerá muito dessa aprendizagem.
Grosso modo, a cidadania extrapola conceitos amplos representados pelos direitos de votar e ser votado, ocupar funções públicas, dispor como lhe aprouver dos seus bens particulares, das liberdades de ir e vir e de empreender. Tem a ver com coisas práticas e comezinhas: observar regras de convivência, de trânsito e de uso de equipamentos e bens públicos; cumprir regulamentos em lugares públicos e privados; respeitar o direito coletivo ao sono e ao silêncio; não interferir em escolhas ou atos de indivíduos e de grupos sociais diferentes dos nossos; ser gentil, praticar a cortesia; ajudar, sempre que possível, pessoas que pedem nosso apoio, preferencialmente, desconhecidas; não furar filas e nem querer ser o centro das atenções nos lugares por onde circulamos, a começar pelas nossas famílias, grupos de amigos e amigas ou no ambiente escolar. São tantas as possibilidades nessa linha que este texto se esgotaria somente listando cada uma delas e suas derivações.
Cidadania tem a ver com calar e falar. Na hora certa, no momento certo. Com o nosso comportamento que deveria evitar constranger os outros com quem cruzamos no cotidiano. Pode ser um agradecimento, um bom dia, boa noite ou boa tarde. Um abraço em quem sabemos que ficaria bem sendo abraçado, elogiado ou sendo reconhecido por alguma atitude ou gesto. E tem tudo a ver com ouvir. Falar menos e ouvir mais é um ato cidadão por natureza.
Aqui temos um problema de natureza prática, e que os tempos contemporâneos conseguiram piorar com o excesso de informação e a chamada “sociedade em redes”: todo mundo quer ser ouvido, ouvida; quer “opinar”, “dizer o que pensa”, mesmo que isso signifique criar problemas, animosidades e, pior, mesmo que quase ninguém tenha o menor interesse naquilo que você (ou eu) tem/tenho a dizer.
Quando fiz referência, no título do texto, ao imediatismo informacional, pensei em comportamentos que observo cada vez mais comuns em pessoas do meu convívio: todo mundo parece tomado de uma pressa absurda para fazer, ver, trabalhar ou consumir qualquer coisa. As pessoas, de um modo geral, aparentam uma angústia incessante por tudo ao mesmo tempo: falar comendo, olhar o telefone (hábito praticamente universal) a cada 30 segundos ou mesmo conversar com alguém sempre de olho ou com os dedos grudados na tela, digitando sabe-se lá o que. Poucos parecem olhar nos olhos enquanto dialogam. Há uma dispersão muito grande, e isso é produto do imediatismo que nos assola. Quando a pressa é agrupada a outro elemento, o excesso de informação, pronto: temos o cenário caótico perfeito para alimentar essa vontade de que tudo aconteça antes que se termine de elaborar um pensamento sequer.
Esses e outros males do mundo da informação e da velocidade atingem grupos diversos que até o início da década de 1990 ainda estavam saindo das máquinas de datilografia e ingressando nas fileiras da informatização - e eu me incluo nessa leva. Agora imagine as gerações que vieram e nasceram sob o signo do computador. E, depois delas, de todo esse contingente de meninos e meninas gerados já com as telas de celulares quase desde o berço (o exagero aqui quase cabe, convenhamos!). Temos, portanto, grupos que foram embalados pela revolução tecnológica dos computadores e todos aqueles que já viram a luz do sol em telas de smartphones etc etc etc. E também aqueles que encontraram na internet sua nova morada.
Tudo batido, conferido e junto no liquidificador, eis que temos um baita problema que toma conta dos estudiosos do comportamento, da Educação e das Ciências Sociais: como compatibilizar nossos anseios por cidadania, respeito, diversidade, amizade, conhecimento, compreensão, camaradagem, empatia e tantas outras coisas e atitudes que nos fazem efetivamente “cidadãos e cidadãs” diante desse cenário caótico em que tudo parece se desmanchar e se desfazer clique após clique nas telas? Nem falei dos algoritmos como os chats GPT e os ditos mecanismos de “inteligência artificial”, o que somente pioraria essa nossa perspectiva, uma vez que essas ferramentas não teriam condições de abarcar tais anseios porque somente podem reproduzir e/ou nos apresentar variações do já feito ou de conceitos que exigiriam justamente a “presença humana” ou humanizada, no caso das questões ligadas à cidadania.
Enfim, nota-se o quanto essa angústia que toma conta de pais, mães, educadores (as), especialistas e dos gestores dos principais sistemas educacionais do mundo faz sentido e não encontra saídas no horizonte próximo. Estamos sem respostas porque, de certo modo, sequer formulamos as perguntas para esses desafios.
Talvez o tempo nos ajude a elaborar melhor o que temos diante dos olhos e, quem sabe, possamos dar os primeiros passos para enfrentar essa avalanche que ameaça a cidadania. Sem esquecer que as ameaças aos processos civilizatórios, claro, não nasceram com a internet e nem com as redes sociais - já habitavam o chamado “mundo cão” das TVs -, mas ganharam impulso com ambas, sem dúvida, quando entregamos boa parte da nossa formação a esse universo turvo das conexões digitais. Elas nos ajudam, nos fazem ganhar tempo e ampliam a circulação da informação como nunca vimos antes, mas nos deixam uma conta que sequer começamos a pagar.
Por enquanto é isso!