A 'Geração V' e seu poder de laboratório
Ao estimularem a libido masculina e garantirem a volta das ereções perdidas, drogas sintéticas criaram a sensação de poder em homens em idade avançada. Papo irônico sobre dilemas da 'Geração Viagra'.
Antes de tudo, nada do que vou tratar aqui tem a ver com etarismo. Já passei dos 60 anos e sinto-me confortável para falar sobre temas que envolvem pessoas da minha geração e farei isso de maneira irônica e sincera, sem rodeios.
Precisamos falar dos problemas que as gerações gestadas décadas atrás enfrentam. Percebo que gastamos muito tempo preocupados em rotular os nascidos em anos recentes, cujas características geracionais são identificadas mais por siglas como X, Y, Z e Alfa do que pela maneira como realmente vivem. Deixemos esses jovens em paz e vamos cuidar dos nossos dilemas.
Consenso do "macho"
Indo direto ao ponto: os medicamentos criados há algumas décadas para estimular a libido masculina e resolver os problemas de ereção prometeram - e parece que conseguiram entregar a uma considerável camada de homens (da minha idade em diante) - um ‘poder’ quase mágico. Some-se a isso o fato de que o poder fálico, no senso comum machista, é a representação da masculinidade. Ou seja, “ser macho” equivale a um pênis ereto e nada mais. É algo como o “Consenso de Washington” dos círculos masculinos. No campo anedótico e sem escrúpulos do machismo, todo homem sabe, é bem pior e ainda mais carregado de toda sorte de imundície verbal.
Mas deixemos isso para quem é especialista em comportamento humano. Vamos aqui nos ater ao superficial e às nuances menos filosóficas ou comportamentais. Fiquemos no terreno bruto da linguagem, dos gestos e da maneira como é na vida real.
Velhotes e novinhas
Os exemplos da realidade que envolve os outrora chamados pejorativamente de “bananeiras que já deram cacho” são inúmeros. Estão na internet, nos portais, nas redes sociais e nos perfis de ricos, remediados e pobres. Você passa a vista num conjunto de notícias ou de vídeos e lá aparece um senhor do alto dos seus 70 ou até mais de 80 anos dando passinhos rumo ao altar para se casar com uma mocinha de 19 ou 20 e poucos anos. Raramente as escolhidas chegam ou passam dos 30 anos. O rostinho gracioso da noiva contrasta diretamente com as rugas, a pele desgastada, os braços amolecidos e o cabelo engomado do futuro marido. O que restou da juba, a propósito, quase sempre é brilhante e mais preta do que a asa da graúna.
O dinheiro compra o amor?
Jocosamente, é natural que os comentários sobre esses casamentos girem em torno do “amor” e dos supostos interesses da mocinha - agora noiva e futura esposa daquele senhorzinho. Nessas horas, é comum que se lance mão de uma conhecida frase atribuída ao jornalista e escritor carioca Nelson Rodrigues, que dizia: “O dinheiro compra até o amor verdadeiro”. O mestre das polêmicas, naturalmente, se referia de forma irônica a inúmeros casos - como os descritos genericamente acima - de velhotes em idade de cuidar dos bisnetos, que foram parar em igrejas e em cartórios para dar provas de que encontraram o amor, mesmo que tardiamente. Ou melhor, “compraram” esse amor antes que cessem as batidas cardíacas.
Bom frisar que essa afirmação rodrigueana gera discussões acadêmicas e filosóficas sem fim até hoje. Se vivo, certamente Nelson Rodrigues acrescentaria ainda mais pimenta ao que disse no passado. Isso era parte da sua capacidade inesgotável de olhar acidamente para o comportamento humano, notadamente nas famílias ditas conservadoras - ele um conservador assumido e integrante da então “direita pensante” que um dia floresceu e existiu no Brasil.
Essa frase dele, repetida à exaustão, mirava a hipocrisia dos ricos e a suposta esperteza daquelas que topavam dividir a cama com aqueles que seriam suas garantias de uma vida confortável logo que os maridos - em idade avançada - “batessem as botas” e fossem “comer capim pela raiz" - como se dizia no popular.
A salvação é azul
Esse tipo de observação que mistura amor, velhice, mocinhas e dinheiro era comum numa época em que sequer se sonhava com medicamentos como Viagra, Cialis e outros dessa geração de estimulantes da libido masculina, surgidos ali pelo começo dos anos 1990, e que se popularizaram no Brasil somente a partir da virada dos anos 2000 em diante nestas terras de Cabral e Macunaíma.
Até então, por mais recursos que o cidadão ostentasse na velhice, sua “potência sexual” era extremamente reduzida. Na maioria dos casos, até zero. Tirando quem tinha condições de aplicar uma "injeção” (de tempos em tempos, sob rigorosa supervisão médica) que provocava a ereção, o senhorzinho, em geral, não tinha como entregar, com frequência e garantia, o produto máximo da masculinidade - a tão sonhada (por eles, naturalmente) “prova” de potência sexual.
Eis que surgem os comprimidos mágicos e tudo muda. Foi como a descoberta do ouro em Serra Pelada. Ou a invenção da eletricidade. O pote de ouro por trás do arco-íris estava contido naqueles produtos de cor azulada, com a marca inconfundível do laboratório Pfizer. Com o fim da vigência da patente do “azulzinho" (em 2010, no Brasil), vieram os demais e a festa virou carnaval. Até pobre passou a contar com o poder ofertado pela nova geração desses remédios, genericamente identificados como tadalafila (Cialis e afins), esses mais baratos do que o Viagra (sildenafila) e de menor tempo de duração -, mas garantidores de um prazer antes restrito a quem tinha mais recursos.
Ereção democratizada
Grosso modo, a ereção foi democratizada.
E veio a frustração
Mas algo nunca mudou e até piorou, de certa maneira: o comportamento masculino ganhou ares de agressividade, ora entremeada por frustração. Alguns se tornaram agressivos e até alardeavam que “agora ninguém os segurava mais em casa”. O fato é que milhões dessas criaturas, então já a caminho do fim da existência, passaram a viver praticamente para esse desejo - o da ereção duradoura. Era como se fosse um certificado de que estavam vivos e de que mantinham seu poder sobre as mulheres. Pelo menos enquanto esbravejavam nos prostíbulos afora.
Mas algo novo e nada bom estava acontecendo nesse universo. Muitos, com dinheiro de sobra na conta, mas com pouca capacidade de compreensão da realidade que rondava seu tempo, caíram em depressão porque perceberam que aquilo não lhes garantiria a atração característica da jovialidade. Traduzindo: continuavam precisando pagar pela companhia das mulheres dos sonhos, pois o fato de existir o medicamento que lhes devolvera a capacidade de praticar o sexo com cara de jovem não era sinônimo de atração para mocinhas que lhes enchiam os olhos nas ruas, avenidas, shoppings, bares ou em quaisquer outros ambientes.
O poder sempre é jovem
O Viagra ou seus genéricos não eram garantia de atração ou de capacidade de conquistar uma mulher nova. Esse era, de algum modo, o ponto frustrante da operação: ninguém naquela idade conquistaria ou conquistava ninguém por ter mera condição de ficar de pênis ereto. As leis da química, da atração, do desejo e dos dotes físicos, essas continuariam e continuam sob domínio justamente da rapaziada das gerações X, Y, Z e Alfa - as que os mais velhos satirizam quando querem falar de falta de concentração, de baixa produtividade, disso e daquilo.
Viva a inconstância!
Uma coisa é certa: o tempo da existência humana, resumida na duração de uma vida, foi uma das coisas mais sábias inventadas pela natureza superior. Ninguém pode se arvorar da condição de eternidade ou de um poder que nunca cessa. Nem que se use de quaisquer artifícios. Os velhos de hoje foram os jovens de ontem e os atuais os sucederão indefinidamente. O que é poder hoje, seguramente será decadência e decrepitude amanhã. A isso chamamos ciclo da vida, de existência.
Vivemos a constante inconstância. E é isso que nos faz recolocar os pés no chão. Nenhuma droga e nenhum poder - real ou imaginário - mudará isso.
Bom que seja assim. Sempre.