Ainda existirão lousas em 3005?
Os antigos 'quadros-negros', que se tornaram verdes, também atendem pelo nome de lousas. O texto é sobre a resistência desse - e a esse - tipo de mecanismo em sala de aula. Einstein que me perdoe!
O gênio da foto usava nada menos que uma lousa
As lousas (ou quadros-negros, quadros-verdes) possivelmente representam o parasita pedagógico mais duradouro de que se tem notícia desde que inventaram algum tipo de ensino em série. Difícil um professor, aluno ou pai que não tenha feito, em algum momento, críticas ao trio giz-lousa-apagador. A despeito disso, como a Geleia de Mocotó Colombo e a caixa de fósforos, esses elementos continuam firmes e fortes entre nós. Talvez sejam parentes dos planetas que cumprem suas órbitas como se nada acontecesse ao seu redor durante milhões de anos.
Vou confessar uma fantasia que passei a alimentar poucos anos após ingressar no mundo educacional, ainda na década de 1990: ter o poder de “derrubar as lousas das escolas - uma a uma”. Claro que fui escravo dessa ‘nicotina escolar’ durante muito tempo, como a maioria dos docentes nos mais diversos lugares do mundo e do país.
Ao mesmo tempo, pensava: quem disse que lousa, giz e apagador não podem ser coisa de gênio? O físico Albert Einstein, que abrilhanta estas linhas com sua clássica imagem escrevendo uma de suas teorias num desses objetos, não me deixa mentir. Mas ele não entra nessa conta e nunca tive habilidade alguma no ramo da Física. Ele era gênio com lousa ou sem lousa. Vamos deixar essa conversa maluca de lado e voltar para o que interessa no texto.
No plano mais modesto, o que eu queria mesmo era me libertar completamente desses tipos de quadros. Sei lá: quebrar, destruir, jogar todos num local onde apodreceriam. Como quem quer parar de fumar, ao longo dos anos lancei mão de métodos e de atividades as mais diversas em salas de aula: experiências com áudio (até publiquei algumas utilizando a linguagem das radionovelas no Podcast Quem Lê, Quem Escreve) e produção de jornais e revistas em escolas públicas paulistas pelas quais passei num período de 15 anos. Também usei até certa medida o vídeo, o recorte, a colagem, a redação, a linguagem teatral e os debates.
Mas a dependência química da lousa sempre tomava conta de mim a cada ‘ausência’ do pó de giz em meu cérebro, em particular naqueles clássicos momentos de estresse e cansaço educacional que acometem professores e professoras. Sorte que posso me gabar de algo: nunca usei o mimeógrafo para produzir trabalhos escolares – indo direto da máquina de escrever para o computador, outra dependência que, digamos, tem lá seu charme como ferramenta de pesquisa. Lembremos que os computadores são ferramentas e não deveriam ser nossas muletas, como sugerem as propagandas e os viciados em redes sociais.
Mas voltando à sanha destrutiva no tocante às lousas: cheguei a devanear sobre a possibilidade de um PLANO NACIONAL DE LIBERTAÇÃO DOS DOCENTES. Ato número 1: destruição total das lousas em todas as escolas do país. Ato número 2: proibição do uso desse instrumento como ferramenta de trabalho pedagógico. Ato 3: o professor deveria procurar uma alternativa quando visse a poeira cobrindo a sala após a derrubada da lousa, da sua destruição total.
Tirando as fantasias, alegorias e suposições, o fato é que esse instrumento viciou a escola nas últimas décadas de tal modo que cativou milhões e milhões de fiéis – de professoras a professores; de alunos a alunas, passando por pais e pedagogos mais tradicionais até chegar aos seus principais defensores que são os governos e os fabricantes do produto.
Claro que acompanho o uso e o avanço da internet, das redes, das lousas digitais, da modernização tecnológica, dos chatbots, dos robôs, tablets e outras engenhocas que todo dia são apresentadas e usadas como apoio ao trabalho no campo pedagógico. São as versões dos velhos quadros de sala de aula, alguns com pouco ou mais charme. Afinal, ninguém vai ficar patinando a vida toda enquanto o mundo gira e a Lusitana roda, como se dizia antigamente. O mundo está mudando rapidamente, vai mudar ainda mais e nos levará a algum lugar que ainda não sabemos.
Como eu não existirei mais enquanto ser físico em 3005, deixo uma pergunta nesta ‘lousa gigante’ do mundo virtual: será que ainda existirão lousas em 3005?
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