Bluesky repetirá o Twitter?
Rede Bluesky pretende ser alternativa à plataforma do bilionário Elon Musk, por ora suspensa no Brasil. Conseguirá não sucumbir aos mesmos vícios que levaram o Twitter a virar ninho de extremistas?
Exatos cinco meses atrás, fixei um aviso no meu perfil pessoal no antigo Twitter, que recebeu do atual proprietário o estranho nome de “X”. Dizia que estava migrando para uma nova rede social e, a partir daquela data, não postaria mais nada e nem voltaria por lá. Fiz a mudança de mala e cuia para a Bluesky (acesse aqui), rede similar criada pelo mesmo cara (Jack Dorsey) que modelou o Twitter - até faturar seus US$ 44 bilhões na bacia das almas na boca do caixa do dono da Tesla, da Starlink e dos foguetes da Space-X (sua obsessão pelo X não é de agora).
Passei quase 15 anos escrevendo, debatendo, lendo, buscando informação, acessando perfis variados, aprendendo e tendo contato com pessoas e garimpando notícias que circulavam primeiro pelo Twitter e depois viravam pauta para jornalistas e as demais mídias. Era fácil saber o que estava acontecendo no Brasil e no mundo com uma simples passada de olho nos tópicos em destaque na rede do saudoso passarinho azul.
Isso valeu até Elon Musk entrar em cena, por volta de 2022. Ele comprou a plataforma e decidiu transformá-la numa espécie de megafone virtual para seu ideário conservador e identificado com extremistas mundo afora. Foi uma opção pessoal de quem sentia necessidade de protagonismo político, mas péssimo para quem usava aquela rede como lugar de informação, debates e contrapontos - duros e até certo pontos exagerados. O Twitter era uma arena onde mortos e feridos sobreviviam. Teve essa característica até a Era Musk.
Elon Musk deu uma guinada na condução da empresa: implantou uma política agressiva de anúncios, de venda de selos de verificação e - o pior - eliminou praticamente todos os mecanismos de moderação e controle interno das informações ali postadas. Foi um prato cheio para o extremismo de direita se apossar do território virtual e destruir a reputação da rede. Os algoritmos do Twitter passaram a estimular mais e mais a agressividade, embora isso não seja novidade ou exclusividade da rede de Musk. É notório o desleixo - deliberado e por mais faturamento - das plataformas de mídia digital com conteúdos agressivos, discursos de ódio, xenofobia, racismo e até com pregações ou ideário terrorista. Isso, acreditam seu defensores, estaria ancorado numa suposta “liberdade irrestrita de expressão”, cuja existência não cabe nas democracias liberais ou em quaisquer sociedades que se pretendam “civilizadas”. A propósito, tenho um texto no Substack e meu site pessoal sobre o poder das plataformas de mídia (das big techs) e os embates destas com estados e instituições do Judiciário pelo mundo todo (acesse aqui o conteúdo).
Pouco tempo depois de comprar a empresa, o novo dono da plataforma abriu frentes de disputa política em vários lugares do planeta, usando e abusando do seu poder de mando. Aceitou imposições e restrições na Índia e na Turquia - onde retirou conteúdos determinados por governos locais, mas foi justamente no Brasil que decidiu bancar um projeto de abandono completo de todos os filtros políticos e partiu para uma briga aberta com o Supremo Tribunal Federal (STF). Ele até passou a pintar o ministro Alexandre de Moraes como uma espécie de opositor pessoal. A luta de Musk contra a “censura do STF" teve o principal round dia 30 de agosto passado, quando foi determinada pela Suprema Corte brasileira a suspensão da plataforma em todo o território nacional.
Feito esse breve histórico, chegamos à Bluesky, que já estava no Brasil havia alguns meses, mas que passou a ser aberta ao público brasileiro em meados de fevereiro deste ano, quando acabou com aquele mecanismo de “convite” para abertura de perfil pelo público local. Entrei por lá em abril passado, bem antes de toda essa confusão que tirou o Twitter do ar. O sumiço temporário do “passarinho” gerou um vácuo que fez a nova rede social pular de menos de 2 milhões de inscritos, em fevereiro, para quase 10 milhões em questão de dias entre o final de agosto e o início de setembro - em grande parte uma massa de brasileiros que migrou na primeira semana de suspensão do “X/Twitter” por aqui.
Essa volta toda foi para tentar responder à pergunta que dá título ao artigo: conseguirá a Bluesky se livrar dos males e descaminhos do antigo Twitter?
A resposta atual é: muito provavelmente, sim. Um diferencial que a nova rede tem é ser em código aberto e propiciar o desenvolvimento de uma série de aplicativos que o Twitter, por exemplo, não permitia. Outro ponto foi o anúncio feito pelo grupo dirigente da Bluesky (Jack Dorsey não integra mais a equipe) de que investirá pesado em monitoramento de conteúdos agressivos e em moderação - que Musk abandonou deliberadamente em nome da suposta “liberdade irrestrita”. Além disso, no próprio aplicativo da BS o usuário pode silenciar respostas de gente agressiva e disseminadora de fake news para todos. Na prática, você pode “apagar" a mensagem do maluco que invade perfis que considera adversários para postar conteúdos impróprios, xingamentos e espalhar mensagens de ódio e mentiras.
A dúvida é se a plataforma não se desvirtuará com o crescimento veloz que experimenta, uma vez que se torna, de certo modo, cada vez mais um território de brasileiros em ambiente virtual - os chamados “foragidos do Twitter”. Enquanto escrevo este texto, a Bluesky tem cerca de 10 milhões de contas ativas no mundo. Nos próximos meses, projeta-se um crescimento ainda maior ao redor do globo, visto que Elon Musk tem mais problemas com o Twitter - no campo financeiro - do que imaginou ou gostaria de ter. Os cortes de custos foram, inclusive, parte da motivação que o levou a fechar seu escritório no Brasil e, de quebra, fez o STF partir para determinar seu bloqueio em terras brasileiras, cuja legislação exige de empresas estrangeiras que mantenham representantes locais. Além disso, o brinquedo virtual do bilionário dos foguetes perde em anúncios, investimentos e em usuários dia após dia.
No campo do chute e da futurologia, é possível que a Bluesky vire um ambiente menos tóxico do que acabou sendo o Twitter. No caso específico do Brasil, a migração de grandes veículos de mídia, de nomes importantes do jornalismo, da cultura, dos esportes, dos negócios e do entretenimento para a nova rede poderá fazê-la a substituta natural - ainda que em menor escala - do que um dia representou o Twitter/X. Essa vinda de tantos nomes para a BS a fortalece e atrai novos inscritos um segundo atrás do outro.
No mais, é aguardar para ver a real direção da nova plataforma no Brasil.
Por fim, pode ser que Musk (ou outro dono que venha a comprar o Twitter mais adiante) resolva mudar sua estratégia e faça a rede voltar ao ar no Brasil. Para tanto, como está suspensa, seria necessário cumprir as determinações do STF: ter representante legal no país, pagar as multas impostas e colocar em dia o cumprimento de decisões judiais, dentre outras medidas. Isso tem um custo mais político do que financeiro para o Twitter. Se quiser, volta. Talvez volte tarde, talvez não volte do mesmo jeito. Nunca se sabe.
Por enquanto é isso. É tocar o barco virtual. Abraços!