De empolgação em empolgação
Sabe aquelas pessoas que vivem surtos de empolgação e reproduzem o comportamento das redes? Elas estão sempre em busca da 'novidade' e se frustram com relações fugazes que se repetem indefinidamente.
Imagem gerada em ambiente virtual/Wonder IA
Eu, você e todo mundo já conhecemos várias criaturas humanas que, no primeiro contato, viram em nós “a pessoa mais interessante ou fantástica do mundo". Não estou falando de amor, de desejo ou de atração física, no caso. Falo aqui daquele encontro furtivo no bar, no restaurante, numa festa de casamento, numa balada, numa viagem de férias, num churrasco da firma ou da família ou num aniversário.
A situação é bem corriqueira: você é apresentado a alguém e, no decorrer da conversa, essa pessoa simplesmente fica encantada com seu jeito de falar, seu papo, suas histórias, piadas e trejeitos. Até sua roupa, por mais esquisita que seja, é elogiada por ela. Você passa a ser incrível, o máximo e coisa e tal. Ela faz questão de compartilhar fotos, publicar na hora na rede social e até compartilha o WhatsApp com seu novo/a amigo/a incrível. Promete um novo encontro, um café, uma roda de violão regada a boa bebida e boa comida, um show juntos. Um milhão coisas após algumas horas de papo até se despedirem.
A maior amizade do mundo acabou de nascer. Só que não.
Adianto que não estou falando de frustração no plano pessoal, pois sou muito bem resolvido nessa matéria e dou muita risada toda vez que isso se repete. Porque aprendi cedo a lidar com pessoas empolgadas em excesso. O detalhe é que, após o fenômeno das ditas redes sociais, esse tipo de gente se multiplicou e meio que reproduz a forma como os algoritmos funcionam: sempre tendem a impulsionar a novidade, o último vídeo, a última fofoca, a treta mais recente no mundo dos famosos e por aí vai. Lembra muito a reprodução sucessiva de vídeos em redes, com as pessoas passando um atrás do outro, mesmo que não assistam a nenhum deles por mais do que cinco segundos.
Trato, neste texto, de algo genérico, mas real: a quantidade de pessoas que já conhecemos e que sumiram das nossas vidas - e nós das delas. Ninguém está obrigado, claro, a se prender ou ser amigo ou amiga de ninguém que mal conheceu numa noite ou em alguma situação casual. É do jogo escolher com quem se relacionar ou iniciar, cultivar, alimentar e manter uma amizade. Não se trata de algo que deve ter como princípio o comportamento cativo somente por terem sido gentis ou terem gostado um do outro (não, não estou falando de paixão ou de amor!).
Minha percepção é que esse comportamento marcado pela fugacidade é mera reprodução do ‘estilo de vida' que se tem nas redes sociais. Ninguém é, de fato, amigo de ninguém em Instagram ou Facebook. As pessoas estão ali apenas conectadas. Se eram amigos ou amigas anteriormente, melhor ainda. Talvez essa seja a real conexão, mas não é a rede que as faz próximas. É o histórico. As redes simulam uma ampliação do nosso grupo de amizades e pessoas para conviver quando, na verdade, parecem mais habitadas por hordas de gente solitária e frustrada - com milhões ou milhares de exceções, claro. Tem muita gente sincera, leal e bacana que usa e frequenta redes, mas certamente elas já eram - ou são assim - no mundo real.
Certamente as pessoas dadas a buscar uma amizade nova por dia sofrem bem mais. Digo aquelas que se dedicam a elogiar efusivamente "amigos/as” que acabaram de conhecer, mas que nunca viram antes na vida. Que se abraçam como velhos amigos/as, fazem juras de amizade eterna e, puf, tudo morre no dia seguinte ou até mesmo horas depois. Vira fumaça não necessariamente por culpa ou maldade. É quase certo que essa pessoa vive tapando com a peneira da efusividade suas frustrações pessoais. E, assim, cada novo “amigo/amiga" vira “a pessoa mais incrível do mundo” em 30 segundos de papo.
Sugiro que perdoemos essas pessoas. Elas não sabem o que fazem. Mas elas existem e estão prontas para o próximo encontro, que pode ser amanhã. Pobres daqueles que acreditam nesse enredo de amizade que surge do nada.
Vale a máxima das amizades que valem ouro: são difíceis de achar e, por isso, devem ser cultivadas como algo ainda mais valioso: diamantes, lapidadas e guardadas para que durem muito mais do que uma empolgação que gera outra, outra e mais outra empolgação. No jardim das eternas frustrações humanas.
Era isso por enquanto.