EUA 'ameaçam' enquadrar Google em processo por monopólio. E o Brasil?
Texto publicado originalmente no meu site pessoal (djairgalvao.com).
Imagem gerada por IA na plataforma WordPress/Reprodução
Um processo movido pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos contra o conglomerado de mídia digital controlado pelo Google – sob acusação de violar leis de competitividade e manter o monopólio do sistema de buscas naquele país – é a grande novidade nas tentativas mundo afora de regular as chamadas big techs, corporações do Vale do Silício que controlam empresas de redes sociais, buscadores de informações online e plataformas de mensagens.
A União Europeia, o Canadá, a Índia e outros países já têm ações nesse sentido em curso, inclusive com a aprovação de leis de regulação, mesmo sob contestação desses grupos. O Brasil, como mostram casos recentes, se mantém alheio ao tema, principalmente no Congresso Nacional, onde o lobby dessas corporações impede até mesmo a discussão de projetos de regulação similares aos que são adotados noutros continentes.
Uma matéria publicada menos de um mês atrás pelo canal Tilt, do Portal UOL(acesse aqui o conteúdo), traz os detalhes do citado processo nos EUA e destaca a importância dos debates mundiais acerca do poder concentrado pelas big techs. E da necessidade que os governos e organismos internacionais sentem de limitar – se é que farão isso na prática – esse controle exercido pelas megacorporações de forma transnacional e sem quaisquer regras, pelo menos até o surgimento desses processos em alguns lugares do mundo.
A raiz dessa reação, ainda que tímida, está no monopólio da informação nas mãos de um pequeno grupo de empresas, cujas ações influenciam a política, o comportamento, a moda, a produção, distribuição, circulação, filtragem do noticiário via redes e mecanismos de buscas em praticamente todos os países onde esses grupos atuam, simultaneamente. O Departamento de Justiça norte-americano, no caso ainda em andamento, diz que o gigante Google deverá se adaptar às chamadas leis antitruste em vigor no sistema de mercado do seu país de origem. E, para tanto, deveria se desfazer de parte de suas subsidiárias e setores da companhia, cujas atividades coordenadas impedem ou limitam drasticamente a concorrência.
Estamos falando, no caso, não de meros serviços de busca ofertados pela plataforma Google, mas de um conglomerado de empresas que inclui o Youtube, o sistema operacional Android (que domina os celulares fora do sistema IOS, da Apple), além da estrutura de dados em nuvem que é o Google Drive, dentre outras companhias, ora sob o guarda-chuva da empresa-mãe chamada de Alphabet. É essa poderosa estrutura que os processos do Departamento de Justiça miram no momento. Vale lembrar que nos últimos anos, o Google incorporou ao seu sistema empresarial 14 companhias de tecnologia médias e grandes, ao custo de bilhões de dólares, cujo retorno se faz com a geração de outros tantos bilhões de dólares em receitas ano após ano. É um universo que parece alheio a crises econômicas.
Há quem acredite que a ação movida pelo Departamento de Justiça dos EUA mudará a forma como esse e outros grupos de tecnologia agem. Para os mais céticos, entre os quais me incluo, os processos lembram uma luta contra batalhões de dragões medievais cuspindo fogo diante de meia dúzia de guerreiros com lanças e escudos frágeis. Esse é o sistema de Justiça mundo afora, e nos EUA isso não é tão diferente assim, diante da força dessas corporações.
A propósito de ações e reações empreendidas por essas empresas, lembremos que elas vicejam por aqui há algum tempo, em particular desde a compra do antigo Twitter pelo bilionário dos carros e dos minérios Elon Musk. Ele próprio, desde 2019, trava uma guerra sem fronteiras contra autoridades de diversos países. Como forma de acelerar esses movimentos no Brasil, Musk anunciou recentemente o fechamento do escritório do seu microblog no país, alegando uma suposta “perseguição judicial” que estaria ocorrendo contra seus negócios desde que o ministro do STF, Alexandre de Moraes, assumiu a relatoria dos processos das chamadas Fake News e o dos Atos Antidemocráticos – contra os grupos que praticaram os atentados que culminaram na destruição das sedes dos 3 Poderes em Brasília, em janeiro do ano passado.
Na queda-de-braço que empreende em solo brazuca, Elon Musk mandou demitir todo mundo que trabalhava para o Twitter no Brasil e, agora, alega que não seguirá mais ordens judiciais oriundas do STF. Está formado um imbróglio jurídico e político, pois as leis brasileiras não permitem que companhias estrangeiras exerçam suas atividades em solo nacional sem que tenham representação local. Ao mesmo tempo, sem ter escritório, a empresa sente-se “desobrigada” de cumprir determinações judiciais, em particular a retenção de contas de pessoas investigadas pelo STF e outros órgãos do Poder Judiciário.
Temos, portanto, uma onda gigantesca se formando e que não vê limites. Ela quer se agigantar cada vez mais ao redor do planeta. A sombra desses gigantes encobre interesses bilionários – envolvendo publicidade online, informações de governos e empresas, geração e distribuição de programas noticiosos, plataformas de streaming, buscadores de informações e outras atividades. No mais, tem a forma como se comportam politicamente, com a premissa de não se curvarem a estruturas de Estado e nem se sentirem obrigadas a cumprir legislações que não aquelas dos seus países de origem, em sua maioria dos Estados Unidos.
Acontece que agora é o momento do teste para ver se realmente haverá cumprimento de leis que regem o sistema econômico e judicial em suas matrizes, pois é um organismo do governo dos EUA quem patrocina essa ações que ‘emparedam’ pela primeira vez o Google. E a pergunta é clara: estarão elas dispostas a cumprir as leis do seu próprio país? Até aqui a reação judicial promete fazer isso valer. Estamos falando ainda do campo da promessa, pois nada está encerrado judicialmente, nem mesmo as multas milionárias ora impostas à empresa.
Por fim, no Brasil, a coisa é mais turva do que se imagina. Bem, vamos deixar este assunto no Brasil em relação às gigantes da tecnologia digital para quando houver algum tipo de reação por aqui, mesmo que tímida, minúscula, quase imperceptível. Estamos ainda nessa fase do jogo de poder.
A bola no mundo dos negócios digitais está com as big techs. Eis que um “juiz” (o Departamento de Justiça dos EUA) apareceu em campo dizendo que vai começar a apitar a partida. Elas, por enquanto, apenas sorriem e acenam.