Trump e a 'Nova Desordem Mundial'
Limpeza étnica, anexação de territórios, ameaças militares no atacado, uso da base de Guantánamo para amontoar prisioneiros sujeitos a deportação, guerra comercial com a China: delírios trumpistas?
Montagem de Trump e o globo/Por IA Wonder
É chato, mas imperativo voltar ao assunto Donald Trump em seu segundo mandato. Isso ocorre por motivos concretos e por causa de um pacote de propostas, ameaças, ‘delírios’ e atos anunciados diariamente pelo presidente dos EUA desde o dia 20 de janeiro passado, com o retorno dele à Casa Branca. O mundo não tem um minuto de sossego desde então. E as coisas só começaram a piorar, como sugeri no texto anterior, escrito e publicado aqui sobre o tema, ainda no calor da posse do atual presidente norte-americano (clique aqui para ler).
Nova Ordem Mundial, o passado
Pano rápido: estamos na passagem do ano de 1989, com a queda do Muro de Berlim, e o processo de dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991, eventos que marcaram o fim da Guerra Fria.
Dos escombros ainda fumegantes da Guerra Fria, eis que surge uma saraivada de termos que dominarão o Direito Internacional e a linguagem geopolítica até recentemente, tais como Nova Ordem Mundial, Globalização, Blocos Econômicos, Multipolaridade e Mercados Emergentes, dentre outros. Era como se desenhasse um mundo novo, aberto à exploração do multiculturalismo planetário, o rompimento de fronteiras, novas tecnologias, redes, internet e muitas novidades que nos espantariam (e que de fato nos tomaram de assalto) durante as últimas décadas.
A Desordem Mundial, Trump II
O mundo real de 2025 nos traz o fantasma de Donald Trump, que volta ao poder com a derrocada da administração do democrata Joe Biden em meio a mudanças que vinham se conformando a partir da eleição de vários governos de extrema direita em diferentes países, com ditaduras, simulacros de democracias, plutocracias, autocracias e corrosão das estruturas democráticas representativas. Isso tudo foi colocado e maturado dentro de um caldeirão mexido com as colheres dos algoritmos, as mãos invisíveis da financeirização acelerada da economia mundial e de lideranças com discursos e práticas agressivas, xenofóbicas, racistas e saudosistas, até, da experiência nazifascista que levou o mundo à sua forma mais assombrosamente vergonhosa no século XX - o nazismo de Hitler na Alemanha, dos anos 1930 até 1945.
Como dito acima, a volta de Donald Trump e seu grupo de bilionários ao poder transformou a agenda global numa repetição farsesca de vários ditames hitleristas, escravagistas e de atos de violência política, verbal, de gênero, de classe e de postura.
Pode-se dizer, grosso modo, que Trump tem em mente o que seria uma Nova Desordem Mundial, que se configura por desrespeito a qualquer regra basilar do Direito Internacional e dos pressupostos que marcaram as relações comerciais, políticas e diplomáticas desde o fim do poder no bloco oriental nas mãos dos antigos sovietes.
O comportamento do presidente norte-americano não foi dos melhores no governo anterior, mas agora ganhou ares de revanchismo. Seus atos soam como se ocorressem em meio a sucessivos vômitos diários, entre delírios políticos e militares. Tudo pode ser alvo de uma ameaça de “anexação”, “invasão”, “tomada”, “retaliação”, “imposição” e “criminalização” - sempre apontadas a supostos inimigos internos e externos de uma tal Nova América, apregoada antes, durante a campanha e, de modo mais feroz, com o retorno triunfal do trumpismo ao Salão Oval da Casa Branca.
China, Gaza, Canadá, México, BRICS
Acompanhar o noticiário gerado a partir das declarações de Trump por meio de entrevistas ou de suas redes sociais é como ter a nítida impressão do esfarelamento de toda e qualquer ordem antes estabelecida. E com um detalhe: não se trata, a priori, de substituir esta ou aquela estrutura anterior, e sim simplesmente de devastar, destruir, desconstruir, negar, demolir, ocupar, assaltar e ocupar com coisas que sequer se sabe que existiriam porque, de fato, carecem até de nome, mas não negam sua índole autoritária, sempre dosada de um neofascismo gestado por décadas.
Nesse cenário, o poder econômico, militar, tecnológico e a posição mercadológica da China parecem ser a única contraposição restante neste momento, além de posturas, até agora restritas ao universo discursivo e diplomático que condenam esse processo, vindas de alguns países do Oriente Médio, da Rússia, do Brasil, do México e do Canadá. A rigor, o governo de Pequim ainda não deu um passo adiante nesse jogo de xadrez imundo que tem Trump como jogador que se crê único. Vai observando, direcionando o olhar e deixando o trumpismo em compasso de espera. De roldão, ele já atacou quem achou por bem, como o México, o Canadá e até os países do BRICS, na verborragia e nas ameaças de taxação e de imposições unilaterais.
Os chineses são a pedra no sapato do trumpismo em marcha porque estão com os cofres abarrotados de dólares, de títulos da dívida dos EUA e dominam um mercado consumidor próprio e crescente nos quatro cantos do globo, não sendo alvos diretos das investidas norte-americanas, a não ser no campo dos discursos e bravatas de Trump, sem efeito prático algum. Isso porque o autoproclamado "presidente-do-mundo" sabe o tamanho do calçado que usa e fala fino com o poderoso adversário.
Em contrapartida, solta os cachorros contra nações e povos menor de menor expressão geopolítica, enquanto promove uma balbúrdia interna com as perseguições violentas aos imigrantes indocumentados em solo americano - cujos frutos desastrosos já estão sendo colhidos pela quebra da cadeia comercial em muitas regiões e estados dos EUA que sempre dependeram dessa mão de obra braçal estrangeira. Num desses arroubos, começou a transformar a base militar americana mantida em Cuba, Guantánamo, em campo de prisioneiros de futuros deportados. Como ironizam adversários, Trump tem até seu arremedo de campo de concentração, em solo estrangeiro.
Sendo assim, parte pra cima de Gaza, estimula ainda mais a violência do atual governo de Israel contra a população palestina, ao propor que sobre os cadáveres dos mais de 50 mil moradores daquela região - saldo do genocídio perpetrado pelos militares israelenses - deixem suas terras para que os EUA “assumam o controle”. Traduzindo: o governo Biden financiou a carnificina, os extremistas sob o comando de Benjamin Netanyahu mataram quantos civis e militares acharam necessário, em retaliação ao terrorismo do Hamas, e agora o governo de Israel é chamado por Trump a “assaltar” o território palestino e “entregá-lo”, ainda sangrando, aos norte-americanos. Isso sob o olhar escandalizado do mundo, que rejeita o plano criminoso de Trump-Netanyahu, numa faceta que vai testando os limites e a paciência do restante do mundo.
O que nos resta?
Essa tentativa de Trump de impor a agenda calcada em uma Nova Desordem Mundial ainda está no começo, rende apreensão e sobressaltos no mundo inteiro, abala os mercados financeiros e coloca em risco pressupostos construídos pela humanidade durante alguns milênios.
Tudo o que sabemos até aqui é que nada disso vai acabar bem. Não importa o rumo que as coisas tomarão nos próximos dias, semanas, meses e anos com Trump no poder e sua truculência verbal, poderio militar e uma assombrosa disposição para destruir.
Continuemos assistindo. Observando. Tentando entender. É o que nos resta. Por enquanto.
Ótimo texto. Bem escrito, com clareza dos fatos. Parabéns Djair!